Entrevista Sobre Prática Parental Permissiva

PROJETO DE PESQUISA: PRÁTICA PARENTAL PERMISSIVA – UM ESTUDO A PARTIR DA ÓTICA DO PROFISSIONAL DE PSICOLOGIA (ENTREVISTA CONCEDIDA À INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR SANT’ANA)
1- Quais os tipos de práticas parentais que você já observou em seu consultório? Responda mencionando a frequência de práticas observadas, sendo (0) nenhuma, (1) pouco, (2) às vezes, (3) com frequência e (4) muita.
RESPOSTA: (2) autoritária (4) permissiva (3) negligente (1) participativa
2- Qual a sua experiência profissional com filhos que tiveram práticas de pais permissivos? O que você observou nestes casos?
RESPOSTA: A esmagadora maioria dos casos, envolvendo crianças, apresenta permissividade por parte dos pais e/ou responsáveis (cerca de 90% dos casos que atendo). Nestes casos, os pais e/ou responsáveis, apresentam um padrão de comportamento intermitente, isto é, vez ou outra tentam impor regras e limites, intercalando com a apresentação indiscriminada e inconsequente de estímulos reforçadores (tanto positivos quanto negativos). Este padrão dos pais instala e mantém um comportamento desadaptativo, uma vez que a criança emite comportamentos irrefreadamente disruptivos na tentativa de produzir os reforçadores, ou seja, essa criança, literalmente, “não para” de se comportar e aumenta sua variabilidade comportamental, fazendo com que os responsáveis percam o controle da situação.
Além disso, é importante destacar a superproteção presente nestes casos. Eu costumo dizer que a superproteção é uma “maldição” e deve ser trocada pela “benção” da ultraestimulação, ou seja, ao invés de fazer pelo filho, fazer com e, às vezes, para. A estimulação deve ser persistente e consistente. Eu observo que padrões que incitam a superproteção desenvolvem, nas crianças, repertórios comportamentais que podem ir da delinquência à baixa autoestima, baixa autoconfiança, baixo autocontrole, baixa auto-observação e autoconhecimento, insegurança, imaturidade, instabilidade emocional e etc.
3- Na sua concepção, as mães que trabalham fora tendem a ter qual pratica parental?
RESPOSTA: Mães e/ou pais que trabalham fora tendem a apresentar um padrão de comportamento permissivo-negligente. Os mesmos tentam compensar o tempo longe dos filhos apresentando estímulos reforçadores e evitando a introdução de estímulos aversivos. Dessa forma, evitam a correção e imposição de limites, ao passo e ao mesmo tempo em que “presenteiam” inadvertida e incoerentemente com estímulos materiais e emocionais. O que chamo de estímulos materiais são, por exemplo, jogos, brinquedos, TV, reforçadores alimentares e etc. Por outro lado, o que chamo de estímulos emocionais são, por exemplo, atenção (principalmente), amizade, carinho, beijo, abraço e etc.
Os pais e/ou responsáveis costumam dizer que querem dar aos filhos tudo o que não tiveram. Eu costumo dizer que tudo bem, que podem, devem e irão dar tudo aquilo que quiserem para os filhos, porém, desde que seja no momento adequado e desde que seja por merecimento (merecer para poder ter/fazer e fazer para poder merecer). Sendo assim, é instalado o padrão de comportamento de persistência e conquista associado com resiliência.
4- Dentro de sua vivência, qual motivo você acredita que leva os pais adotarem a prática permissiva?
RESPOSTA: Como supramencionei, a prática parental permissiva é adotada, principalmente, por superproteção e pela noção de compensação de atenção, pareada com a ideia de “trauma”.
O objetivo dos pais é ajudar, mas a imensa maioria não está consciente (consciente no sentido estrito, definido pelo Behaviorismo Radical e pela Análise do Comportamento, ou seja, o indivíduo não sabe o princípio que está controlando seu comportamento, naquele determinado momento) do prejuízo comportamental, sentimental e emocional impresso e incutido na criança.
Outro ponto crucial a ser destacado se refere ao fato de os pais/responsáveis não possuírem o repertório comportamental global necessário para impor limites, regras e correções, ou seja, alguns pais não sabem como proceder, o que provoca e desencadeia erros e/ou omissões. Isto deflagra os repertórios comportamentais que supracitei na resposta à questão de número 2 (dois).
5- Em sua opinião, qual o resultado destas práticas permissivas para os filhos?
RESPOSTA: As práticas permissivas “desarmam” os filhos para enfrentar as mazelas e vicissitudes da vida adulta, uma vez que não ensinam praticamente nada, uma vez que quase tudo é feito pelo filho. É como se a criança estivesse protegida por uma cúpula de vidro (que são os pais e responsáveis) e, quando a mesma se quebra (e isso fatalmente vai acontecer, pois chegará o momento no qual não haverá ninguém para cuidar, defender e proteger), o indivíduo está “nu” e indefeso. Isto produz, além do que já citei, imaturidade, irresponsabilidade e incompetência associada à inconsequência.
Como eu sempre digo aos pais: ”não dê o peixe; ensine a pescar”. Obviamente, fazendo uso da ultraestimulação (mostrar, dar o modelo, explicar, auxiliar, incentivar leitura e escrita, utilizar fading in e fading out, programar o dia, desenvolver e implementar tarefas diárias – com o uso de economia de fichas, por exemplo – etc.). O objetivo é “encher o saco” da criança e aplicar correções (até mesmo punições), e reforçamento diferencial contínuo e contingente.
6- Quais as intervenções terapêuticas mais indicadas para o tratamento de filhos que têm pais permissivos?
RESPOSTA: Segundo minha ótica, além de tudo que supramencionei, sempre digo que existem duas regras que devem ser quebradas, apenas, em casos extremíssimos. Essas regras são: 1. Nunca ceder; e 2. Prometer e cumprir.
Quando os pais cedem, geralmente após a emissão de uma série de comportamentos errados, eles reforçam todo o “padrão errado”. A regra é clara (ou deveria ser) e a criança deve seguir (a regra é dos pais e não da criança; a criança faz o que os pais querem e não o contrário). Na maioria das vezes e das situações, os pais cedem intermitentemente, deflagrando o padrão (também já citado) no qual a criança se comporta “sem parar”, pois não sabe quando o reforço virá (pode vir a qualquer momento). Se não ocorre, ao menos parcialmente deste jeito, abre-se margem para a manipulação dos filhos para com os pais.
A segunda regra diz respeito ao falar e fazer. É uma das maneiras mais eficazes de se desenvolver respeito das pessoas para conosco. Como as pessoas dizem, “ser uma pessoa de palavra”. Dessa forma, a criança fica em alerta, pois a punição (geralmente negativa) virá com certeza quando da emissão de comportamentos inadequados. Neste ponto, costumo dar o exemplo dos pais que apenas olham e o filho interrompe o comportamento e os pais que gritam e se alteram, e o filho ignora, uma vez que sabe que os pais “só falam”. Novamente, aqui também se abre margem para manipulação.
Outra orientação que passo se refere a três pontos, sob a minha ótica, fundamentais. São mais três “regrinhas”.
1. Ignorar comportamentos de manha e birra (procedimento de extinção). Todo e qualquer comportamento que seja emitido, claramente para a produção de atenção, deve ser ignorado (salvo situações nas quais a criança estiver com sono, fome, sede, dor, estiver suja, dentre outras condições que atentem contra a sobrevivência). Este comportamento só deve ser interrompido (só deve haver intervenção) quando a criança estiver se machucando, machucando alguém ou estiver perturbando muito a harmonia do ambiente. Esta intervenção deve ser feita através do que eu chamo de contenção física e contenção verbal. Os responsáveis devem elevar o tom de voz (o que é diferente de “gritar”) e devem “pegar”, “apertar”, “puxar pelo braço”, etc. (o que é diferente de bater). Agressões físicas e verbais devem ser utilizadas em última instância, apenas para corrigir, não para ferir.
2. Ameaçar e retirar estímulos importantes e agradáveis (procedimento de punição negativa). Como já citei, podem ser estímulos materiais e/ou emocionais. A remoção deve ser contingente e contígua. Deve-se explicar à criança o erro que ela cometeu e descrever a contingência para ela, a fim de que saiba qual é a consequência (no caso, punição) e porque (função) está sendo punida. Uma variedade neste item é dizer à criança que, se ela tiver um bom desempenho, pode entrar em contato com os mesmos e/ou com novos estímulos materiais e emocionais. O que não deve se feito jamais é apresentar reforçadores mediante a interrupção de comportamento inadequado (isto é conhecido, popularmente, como “chantagem”).
3. Elogiar, incentivar e reforçar comportamentos adequados (procedimentos de reforçamento positivo diferencial de comportamentos adequados). Quando da emissão de padrões comportamentais adequados, a apresentação de estímulo reforçador deve ser, na medida do possível, contingente, contígua e consistente. Isto favorece e potencializa o condicionamento de repertórios adequados (instalação e manutenção adequadas dos mesmos são evocadas).
Contudo, de maneira sucinta, por intermédio do meu ponto de vista clínico, estas orientações conseguem deflagrar mudanças significativas, uma vez que o controle dos pais, sobre os comportamentos dos filhos, aumenta.
7- Você considera que um filho que teve um pai permissivo reproduzirá este comportamento na sua vida familiar?
RESPOSTA: Muito provavelmente o padrão permissivo se repetirá, pois a criança (filho) reproduzirá o modelo inadequado passado pelos pais. Os pais são as pessoas mais significativas na vida do ser humano, portanto, por mais disruptivo que seja o comportamento, se tiver uma função minimamente útil, será “copiado”. Porém, esse comportamento, como quaisquer outros, são passíveis de modificação. A mudança pode ser contemplada, principalmente, através do procedimento de modelagem (modelado por contingências). É importante realçar a diferença entre modelação e modelagem. O primeiro se refere à aprendizagem vicariante, ou seja, através do modelo que é reproduzido. O segundo se refere à aprendizagem por reforçamento diferencial de aproximações sucessivas do comportamento alvo final.
A maioria dos comportamentos se instala por intermédio do governo por regras (podemos citar aqui a modelação e, no caso específico, podemos citar a instalação do padrão de comportamento permissivo) e se mantém pela modelagem por contingências (ou por consequências), na qual o comportamento é “lapidado” (podemos citar aqui a modelagem e, novamente, o padrão permissivo).
Os pais, na maioria das vezes, não percebem que devem atentar para o que a criança vê, ouve e presencia. Indiscriminada e negligentemente, emitem quaisquer comportamentos e, ilusoriamente, encerram seu raciocínio hipócrita fazendo uso de um dito popular, que diz: “faça o que eu falo; não faça o que eu faço”. Assim, acreditam que os filhos não seguirão o “mau exemplo”.
Portanto, como não existe perfeição e tão pouco certeza absoluta, há uma imensa probabilidade de o padrão de comportamento permissivo ser emitido pelo filho, no futuro. Lembrando que, potencialmente, a maior parte dos comportamentos é passível de previsão, controle e modificação.